Os pés estão soltos..




Revirando minhas coisas senti algo diferente.

Os pés descalços, o coração esbarrando na janela, e a sensação de que preciso voltar pra me corresponder, me trouxe pra perto.

Faz tempo que não sinto os pingos da chuva, faz tempo que já deixei pra lá. Faz tempo que parei de me incomodar.

A tranquilidade que estampo depois do silêncio quase meditativo que me ensinou a não me envolver dentro daquilo que rói ou corrompe meus sentimentos, me trouxe a tona.

Às vezes, quando entardeço, sinto que Deus está em algum lugar tratando de todas as coisas que passam aqui dentro e se distribuem lá fora como ventania ou recolhimento.

Os pés estão soltos, coisas se misturam ao tempo. Vejo a estrada que devo seguir sem tanto peso.

O piso de madeira claro, a sala arejada, as coisas enfileiradas esperando que eu as ajuste, o relógio que agora parece manter o mesmo horário, roubam um pouco da cena do cotidiano que não vejo, mas que daqui de cima se tornam agora menos essenciais.

Estou em meu estado de direito, sem intervenções, sem parecer uma colegial que ainda não sabe o que quer pra vida, sem parecer insolente ou cheia de rebeldia.

Nada me tortura mais do que a angústia de não poder acontecer.

É por isso que decidi me confessar como quem se tranca no próprio interior pra receber a penitência que acho que mereço.

Sei que segredos se acumulam em muitos corações que um dia passaram pelo legado do aprendizado, do sofrimento, do amor e da dor; sei que nada sei.

Deus é meu condutor, é minha voltagem de energia e luz. É a voz que me diz exatamente o que preciso fazer.

Tive sorte de conseguir sustentar o que ainda não morreu porque não matei, porque não vou deixar sair, porque faz parte do cadenciar das emoções, dos erros e acertos.

Vejo prédios eretos, cores desbotadas, palidez em almas sem acesso e sem perdão.

Vejo muros erguidos, palavras que ferem e vozes que não sabem se ouvir.

Quanto desespero, quanto destempero.

Luz pra quem precisa de paz para as próprias guerras e tempo pra quem precisa salvar o que parece perdido.

Estou na minha luta e não ligo pra nada que queira me desestruturar.

Só eu sei as coisas que vivi.


Sil Guidorizzi






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