Que a generosidade dos dias se esbarre em mim!




Eu já não sofro mais com os desfeitos da vida, eu não reparo mais naquele canto que um dia esteve cheio de dor, eu não transito em círculos dentro do mesmo espaço sem saber onde está a porta de saída, sem saber o que coloco no lugar.

Nem tudo precisa ser preenchido; nem tudo precisa ser substituído; nem tudo precisa ser compreendido.

As paredes pedem uma pintura nova, o chão que piso ainda não estragou.

Ando pela sala, olho da janela, vejo que lá fora algo me pede e eu sem hesitar respondo com uma prece, agradecendo a Deus por me conceder mais um dia.

Sinto falta de alguns rostos, sinto falta de pequenos afetos que foram levados pela distância do tempo. 

Mas eu também não me ajusto mais as regras de ninguém.

Quem segue confiante, vivendo intensamente seus dias, aprende a também soltar as amarras do tempo, aprende que chorar também é libertador, que dizer mentalmente que não dá mais é exercício de respeito por si mesmo.

Olhar pra frente, erguer os braços, sentir a brisa da vida tocando o espírito, é renovação de momento.

Eu já não reparo mais no que as pessoas dizem, no que as pessoas insinuam, no que as pessoas demonstram não ser, porque eu sei onde cabe o fingimento.

Minha memória menos congestionada – essa sensação de menos idolatria por gente que não merece, essa convicção de que já estou bem crescidinha e que não vivo da opinião alheia, só me trouxe mais coragem pra ser.

Eu já não ligo pra isso, para aquilo, para o que dizem pelas costas.

Todo mundo tem coisas guardadas a sete chaves, todo mundo um dia já se machucou; ninguém é perfeito.

Eu não me comparo a ninguém, eu não mensuro a dor dos outros, eu não sou forte o tempo todo.

Não quero ser triste dentro de tantas possibilidades e oportunidades que batem à minha porta, não quero ser fraca ao ponto de não tentar de novo.

Quero combater as coisas que ainda me deixam na corda bamba, as coisas que tentam me sabotar.

Dispenso muita coisa, aceito outras, troco uma conversa solta com quem realmente gosta de ouvir.

Só não passo meus dias lamentando, criando monstros imaginários, idealizando coisas que já foram deixadas pra trás e se tornaram claras como a luz do sol.

Deus é presente, o que sou, é problema meu.

Enquanto alguns passam parte do seu tempo cuidando da vida alheia, a vida vai passando sem que elas se encontrem.

Meu mundo é pequeno, simples, mas é o que tenho.

Ontem, foi ontem. 

Que a generosidade dos dias se esbarre em mim.

Sil Guidorizzi



 Imagem de xxolaxx por Pixabay



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